quarta-feira, 12 de setembro de 2007

"A formação dos jovens não passa nem perto da ideal"

O Futebase entrevistou o educador físico Renato Gurgel, da equipe Vita Lev, de Santo André. Gurgel é um estudioso e apaixonado pelo futebol e tem em seu currículo passagens pelas categorias de base dos dois principais clubes de Limeira, a Internacional e o Independente.

Nesse bate-papo, ele faz uma análise do momento atual nas categorias de base do futebol brasileiro e critica os processos de formação dos atletas.

Futebase: O Brasil entrou como favorito nos Mundiais Sub-20 e Sub-17, e em ambos fez péssima campanha, caindo nas oitavas-de-final. Precisamos ligar a "luz amarela", isso indica que o Brasil não está mais revelando bons jogadores ou são circunstâncias específicas da competição?
Renato Gurgel: Não acho que o Brasil não revele mais bons jogadores. Precisamos lembrar que nessas categorias é raro um país manter uma hegemonia. O problema é que há aqui a cultura de ganhar sempre, o que prejudica a formação. Não podemos cobrar esses garotos com tanta veemência. Daqui a pouco muitos desses garotos vão ser campeões no Brasil na Europa, tenho certeza.

FB: O trabalho de formação de jogadores nos clubes brasileiros merece elogios?
RG: Revelamos muitos jogadores, mas poderíamos revelar mais e melhor. A formação dos nossos jovens jogadores não passa nem perto da ideal. Digo isso porque a base deveria ter por principal objetivo formar atletas, refinando fundamentos e etc; mas o que acontece é que os garotos são especializados desde cedo, para que o clube ganhe competições. Eles nem são testados em outras posições para poderem vivenciar outras funções dentro de campo - o que seria bom, já que quanto melhor a formação, mais recursos esses jogadores terão na fase adulta. Quem afirma que a quantidade de craques do Brasil sugere que a formação está correta, olha apenas para os sobreviventes. Para formar um craque sacrificamos milhares de bons jogadores.

Futebase: Muito se fala que os empresários já estão em contato com os atletas desde a adolescência, influindo assim em toda a carreira dos jogadores. É assim mesmo? Esse assédio está presente o tempo todo?
RG: Muito. O São Paulo recentemente fez uma excursão e precisou levar seguranças para conter esse assédio. Na Copa São Paulo de Juniores, muitos times do interior são formados por jogadores de um único empresário que “aluga” o clube para dar visibilidade aos seus jogadores.

FB: Os jovens jogadores de hoje não querem ir mais para o Corinthians, o Flamengo, o Grêmio. O sonho deles é ir pro Real, pro Manchester. Você acha isso ruim? E mais: esse sonho precoce de ir pro exterior influencia na formação dos jogadores?
RG: Todos os clubes são hoje uma ponte para a Europa ou qualquer outro time do exterior. Até aí, não chega a ser um problema tão grande. Todo mundo busca ascensão profissional e o jogador de futebol não é diferente. Mas muitos vão para clubes desconhecidos de países sem tradição no futebol e somem do mapa, sem garantia nenhuma, apenas acreditando na promessa de ganhar muito dinheiro. Isso acarreta outros problemas, já que, para um atleta evoluir, ele precisa jogar em um nível bastante alto.

FB: Como é o apoio psicológico que os clubes e treinadores dão para os jogadores da base? É suficiente? Precisaria haver maior atenção nesse sentido?
RG: Tem técnico de clube profissional que não “gosta” de trabalhar com psicólogo. Imagine então na base! Não quero ser injusto, talvez alguns clubes grandes ou sérios - e clube grande é diferente de clube sério - tenham esse acompanhamento, mas tenho certeza que é uma minoria. Isso seria fundamental para garotos que estão longe de casa, sob pressão enorme. Porque no futebol não tem caridade. Só para se ter idéia: nos maiores clubes, chegam muitos garotos toda semana para serem testados. Se o técnico considerar esse novato melhor do que os que já estão por lá, alguém vai embora para dar lugar ao novo jogador. Ou seja, mesmo um jogador vinha sendo titular, mas passa por uma má fase ou sofreu uma contusão, pode acabar sendo dispensado.

FB: Você decidiu não ficar apenas no esporte e procurou estudar, se formando em uma faculdade. Como você vê essa preocupação nos garotos? Eles pensam em estudar, em algo mais, ou costumam resumir sua vida ao futebol?
RG: Em alguns clubes os jogadores são obrigados a estudar. Mas, para variar, esses clubes são minoria. Um amigo da época da faculdade largou a carreira de jogador porque não conseguiu vaga no período noturno no curso, e o clube não o dispensou para treinar em um só período para que ele pudesse estudar. E estou falando em graduação - muitos abandonam antes os estudos para se dedicar somente ao futebol. O que não é correto nem necessário, mas acontece e muito.

FB: Pra finalizar, conte alguma história divertida de seu tempo de jogador.
RG: Foi num jogo na cidade de Campinas, acho. No final do segundo tempo, em um contra-ataque, o meia do adversário lançou a bola para o lado direito, onde eu jogava. A bola veio quicando, e eu estava na disputa com dois adversários, perto da linha lateral em frente ao banco de reservas do meu time. Meu técnico gritava desesperado: “chuta pra fora! Chuta pra fora!”. Obedeci o comandante e chutei com toda força que eu tinha, e... Acertei a bola bem na cara dele! Acho que foi por isso que ele parou de gritar! Mas foi sem querer, tanto que continuei jogando, ainda bem que ganhamos! (risos)

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